top of page

O Zen ao ir ao banheiro


“Felizmente ou infelizmente, mesmo que vocês não gostem, precisamos ir ao banheiro, o banheiro malcheiroso. Sinto muito, mas acho que teremos de ir ao banheiro pelo resto de nossas vidas.”


Em nosso cotidiano comemos muitas coisas, boas e más, sofisticadas e simples, saborosas e não tão saborosas. Depois, precisamos ir ao banheiro. De modo semelhante, depois de encher nossa mente, praticamos o zazen. Caso contrário, nosso pensamento se tornaria muito insalubre. É preciso que limpemos nossas mentes antes de estudar alguma coisa. É como desenhar numa folha em branco. Se você não usar papel branco limpo, não poderá desenhar o que quer. Portanto, é necessário voltar ao estado original, no qual vocês não têm nada para ver e nada sobre o que pensar. Então, entenderão o que estão fazendo.


Quanto mais praticarem o zazen, mais interessados ficarão no seu dia-a-dia. Descobrirão o que é necessário e o que não é, que parte deve ser corrigida e a que parte dar mais importância. Assim, através da prática, saberão como organizar suas vidas. Trata-se de observar sua situação com cuidado, limpar sua mente e começar do seu ponto de partida original. É como ir ao banheiro.


A nossa cultura se baseia na ideia do ganho e do acúmulo de coisas. A ciência, por exemplo, é o acúmulo de conhecimento. Não sei dizer se um cientista moderno é maior do que um cientista do século XVI. A diferença é que acumulamos nosso conhecimento científico. É uma questão importante, mas ao mesmo tempo perigosa. Corremos o risco de ficarmos soterrados debaixo de todo nosso conhecimento acumulado. É como tentar sobreviver sem ir ao banheiro. Já estamos nadando num tanque de água e ar poluídos, e falamos sobre essa poluição. Ao mesmo tempo, mal podemos sobreviver à poluição de nosso conhecimento.


Cada um de nós sabe como ir ao banheiro, sem ficar preso a algo que temos em nosso corpo. Ao percebermos que já temos tudo, não vamos ficar aferrados à coisa alguma. Na realidade, já temos tudo. Mesmo sem ir à Lua, nós já a temos. Quando tentamos ir até a Lua, significa que achamos que a Lua não é nossa.


Como Buda nos relatou, nossa mente está em unidade com tudo. Dentro de nossas mentes, tudo existe. Se entendermos as coisas desse modo, entenderemos a nossa atividade. Estudar algo é apreciar algo. Apreciar algo é estar desprendido das coisas. Quando nos tornamos desprendidos das coisas, tudo será nosso. A nossa prática é percebermos esse tipo de mente grandiosa. Em outras palavras, ir além de cada ser, inclusive de nós mesmos, e deixarmos nosso eu trabalhar do jeito que ele trabalha. Isso é a prática do zazen. Ao praticarmos o zazen, na verdade, estamos nos limpando de nossas várias amarras.


Trecho do livro Nem sempre é assim: praticando o verdadeiro espírito zen/ Shunryu Suzuki; tradução de Aurea Akemi Arata. – São Paulo: Religare, 2003

105 visualizações0 comentário
bottom of page